"How to be Remy Cameron" é um livro do gênero jovem adulto (ou young adult, YA) escrito por Julian Winters e, infelizmente, disponível apenas em inglês até agora - o que não nos tira a esperança de uma tradução em português no futuro!
Acho importante começar esse texto falando sobre um pensamento bem frequente - e não por isso menos retrógrado - de que livros com temática contemporânea não têm valor se comparado às obras clássicas, tidas como mais profundas. Na comunidade literária, essa discussão acontece constantemente na busca de hierarquizar o que é válido e o que não é, quando, na verdade, não existe necessidade de um gênero, obra ou autor se sobrepor a outros.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em 2016, divulgou que a média de leitura do brasileiro é de 2,43 livros por ano. A pressão que muitas pessoas impõem de que apenas livros densos, clássicos e antigos são os que valem a pena serem lidos pode acabar afetando diretamente esse índice, afastando as pessoas de uma leitura incrível e cheia de aprendizado por ser um livro julgado como “apenas uma história para adolescentes”, por exemplo.
A questão é que "How to be Remy Cameron" pode ser visto exatamente com esses olhos por muitas pessoas: um livro adolescente, sem nada a acrescentar na vida do leitor, e minha função aqui é provar exatamente o contrário. Essa é uma das minhas leituras favoritas de 2020, até então, e foram diversos ensinamentos que adquiri ao longo dessas 300 páginas.
Nessa breve resenha, vou tentar te convencer a ler "How to be Remy Cameron" e passar por essa experiência tão significativa, assim como foi para mim!
Gay, negro e adotado: uma conversa sobre rótulos
A premissa central de "How to be Remy Cameron" é a seguinte: o garoto, de apenas 17 anos, precisa escrever uma redação para a aula de Literatura com o tema “Quem eu sou?”, o que leva Remy a uma jornada de descobertas.
Você é definido por sua raça? Religião? Gosto musical? É definido por seus privilégios? Por sua força, histórico familiar? Suas roupas? Você é definido pelo seu nome ou sexualidade?
Remy se assumiu gay para todo o colégio aos 14 anos e, de certa forma, essa passou a ser uma característica que todos faziam questão de reforçar sempre que falavam seu nome. Mas, como Remy descobre e nos ensina depois, qualquer ser humano vai muito além dos estereótipos impostos pela a sociedade ou até por si mesmo.
O livro não nos dá uma fórmula perfeita para superar esse obstáculo - até porque não há uma verdade absoluta, cada qual se descobre uma forma diferente. O que Julian Winters nos permite é despertar esse pensamento e nos ajudar a ver que somos mais do que meros rótulos.
Uma coisa que eu amei nesse livro é que Remy, definitivamente, não é o protagonista perfeito que nunca erra. Ao longo de sua história, nós acabamos aprendendo muito junto com ele.
A importância do consentimento
Uma das minhas partes favoritas do livro [e isso aqui pode ser spoiler] é quando Remy e Ian, um potencial interesse amoroso, começam a se aproximar.
Minha halmeoni - é avó em coreano - me ensinou que você sempre deve pedir pelo consentimento de alguém antes de tocar, abraçar ou segurar sua mão.
É realmente uma prática muito estranha, mas a forma como o autor retrata a importância desse consentimento é tão pura e bonita que ficou marcada na minha cabeça. Se esse tipo de pensamento fosse disseminado com mais frequência, muitas pessoas poderiam ter evitado casos de assédio e abuso, algo tão frequente e que atormenta, principalmente, as mulheres.
A história de Remy, enquanto homem negro e gay, também expõe as problemáticas sofridas diretamente por ele e tantas outras pessoas que precisaram descobrir na prática que ser um condensado de minorias não é nada fácil.
Fetichização do corpo negro e toxicidade na comunidade LGBTQ+
Em uma parte específica do livro, um garoto começa a assediar Remy e deixa nítido o quanto ele quer ficar com alguém negro, como se aquele fosse ser o seu prêmio da noite. É importante perceber o poder dessa cena: Remy, um menino preto, foi transformado no desejo de alguém que nem o conhecia simplesmente pela cor de sua pele.
A situação é desconfortável e o paralisa, afinal, essa é uma experiência invasiva e completamente perturbadora, reforçando a importância do consentimento que foi mencionado antes.
Além disso, é possível perceber também que os próprios membros da comunidade LGBTQ+ podem ser tóxicos entre si, valorizando o padrão branco heteronormativo e tratando qualquer pessoa fora dessas características como um mero fetiche.
Felizmente, Remy é salvo por Brook, um outro garoto negro que, vendo a paralisação do seu amigo, resolve intervir antes que sua privacidade seja ainda mais invadida.
Brook é apenas um dos tantos personagens secundários que ganharam meu coração por serem simplesmente perfeitos em cada aparição mínima.
Representatividade e quebra de estereótipos
Falando de Brook, ele e Remy desconstroem bastante a imagem perpetuada pela sociedade do homem negro como violento, grosso e tudo mais. Esses dois personagens são sensíveis, inteligentes, engraçados e extremamente respeitosos - um adjetivo bem incomum para se referir a jovens, mas importante destacar.
"How to be Remy Cameron" tem um protagonista negro e gay; uma líder de sala que é skatista e adora participar de festas - mostrando que a diversão não anula sua competência; um casal composto por uma quarterback mulher e um líder de torcida homem e inúmeros personagens diferentes, mas altamente reais.
Pode parecer que essas características também vão soar como estereótipos, mas a forma com que Julian Winters apresenta esse grupo de amigos tão diferentes é divertido e aconchegante.
Durante minha leitura, lembrei muito de "Um Milhão de Finais Felizes", de Vitor Martins, um dos meus livros favoritos e que também tem um protagonista gay e conta com bastante diversidade. A sensação de reconforto foi a mesma que tive quando li UMDFF pela primeira vez! <3
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Leiam autores negros com protagonistas negros! Disseminem que livros contemporâneos e jovem adultos podem, sim, fazer uma transformação na vida dos leitores.
Esse é um livro muito importante por não apenas dar visibilidade a pessoas tão distintas, mas desconstruir os estereótipos que muitos carregam através dos séculos.
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