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A identificação com personagens fictícios na série "Anne With An E": um espelho emocional

Apesar de se passar no século XIX, aborda temas importantes e muito debatidos na contemporaneidade, como: feminismo e o racismo
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Anne Shirley, uma menina tagarela e de imaginação fértil, protagonista da série “Anne With an E”, pode representar para os telespectadores um “espelho das emoções”, já que, tal personagem é desenhada cheia de traumas que vão sendo revelados ao longo da trama. Traumas esses, que são comuns à muitas pessoas e muito discutidos atualmente. A série, baseada em um romance canadense do século XIX, produzida pela CBC (canal de televisão do Canadá) e distribuída pelo serviço de streaming Netflix, faz muito sucesso entre o público brasileiro.

A produção, apesar de se passar no século XIX, aborda temas importantes e muito debatidos na contemporaneidade, como: feminismo e o papel da mulher na sociedade, racismo, a questão indígena, questões sociais e de gênero. Além desses, de forma indireta, por meio de traços na personalidade dos personagens, levanta uma discussão sobre traumas da infância e suas possíveis consequências psicológicas. No presente texto, vamos refletir como séries, filmes, obras de artes e afins podem ser uma espécie de espelho emocional para nós: a arte, em qualquer que seja o seu formato, tem o poder de nos fazer pensar sobre nossas luzes e escuridões internas.

Marilla e Matthew Cuthbert, que queriam adotar um menino para ajudar nas tarefas da fazenda Green Gables, são surpreendidos por uma menininha ruiva e sardenta: Anne. A princípio, Marilla desejou devolver a menina ao orfanato de onde veio, a rejeitou, nesse momento, Anne já nos revela um primeiro trauma: o medo de rejeição. Chegando à fazenda, quando recebe a informação de que, na verdade, sua tão esperada adoção fora um engano, ela implora para ficar, decepcionada e desesperada. A ruiva não desiste de tentar conquistar o coração de Marilla e se mostra disposta a fazer qualquer coisa para ficar, quase como aqueles relacionamentos abusivos onde um deve convencer o outro de suas próprias qualidades. Entretanto, se analisarmos a história da personagem, facilmente entenderemos seu medo. Anne foi rejeitada “desde que se entende por gente”, não conheceu alguém que a amasse simplesmente por ela ser como é, não conheceu seus pais, portanto, não sabia se eles a haviam amado. Assim, inconscientemente, nutriu tal medo e o grande desejo de ser amada e aceita.

Anne ama ler e escrever histórias, demonstra um amor pela arte e enxerga o mundo de forma poética: um lago comum se torna o “lago das águas brilhantes”, galhos de uma arvore ao pé da janela de seu quarto, transformam-se nos braços da rainha da neve. Apesar de sua triste história, tenta sustentar dentro de seu coração uma visão de mundo otimista. No entanto, mesmo com isso, a menina, vez ou outra, revive flashbacks de momentos espantosos de sua infância no orfanato e em casas de família, onde sofria muito, de diferentes formas: “gosto mais de imaginar do que de lembrar”, diz ela, se questionando o porquê das piores lembranças serem as mais insistentes. Anne sabia de muitas coisas que crianças não deveriam saber, coisas que corrompiam, em partes, sua inocência. Desse lugar, um outro trauma: o medo do passado e de voltar a ele. O que a jovem garota tenta superar com a força de sua mente altamente criativa.

Outra questão que ‘assombra’ Anne é o seu cabelo ruivo e suas sardas. Ela acredita que essas características são uma verdadeira maldição em sua vida. Não aceita sua aparência e, ao longo da série, até tenta muda-la. Apesar de acreditar que a aparência não é só o que importa, a garota tem um grande desejo de se sentir bonita. Entretanto, é necessário pontuar, que tal estigma sobre si mesmo vem, mais uma vez, de seu passado e do que suas vivencias a fizeram acreditar. Ela sofria uma perseguição de meninas que conviveram com ela no orfanato que, constantemente, criticavam sua aparência. O que fez com que Anne acreditasse, de forma inconsciente, nas coisas que a diziam. A fizeram acreditar que a única forma de se sentir bonita e amar o seu “eu externo”, era não sendo ruiva e se livrando de suas sardas, ou seja, não sendo ela. O que nos traz ao terceiro trauma: a tentativa de ser encaixar em um padrão de beleza.

As questões emocionais aqui citadas são as que considero as mais discutidas na atualidade, seja em redes sociais ou em rodas de amigos. Obviamente, “Anne with na E” aborda diversas outras questões psicológicas, não apenas de Anne, mas de todos os outros personagens. A construção da personagem Anne Shirley, nos faz pensar no poder das vivências da infância e como elas sempre serão refletidas, de alguma forma, em quem nós somos hoje; mostra também, que é possível superar tais traumas e questões, ainda que seja desafiador. Os episódios da vida da protagonista e a forma como ela lida com eles é o que nos traz uma identificação ou não com a personagem e nos faz refletir sobre nossos próprios traumas e as maneiras como lidamos com eles. Anne supera-os (ou tenta) através da imaginação, e você?

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