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REVIEW: Chromatica, sexto álbum de estúdio de Lady Gaga

Lady Gaga recupera subgêneros musicais dos anos 80/90 em seu novo álbum de estúdio, leia nossa review
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Chromatica': Lady Gaga põe até Elton John para dançar em retorno ...

Embora Lady Gaga tenha explorado o universo midiático ao seu favor, a sua essência é a música. Desde o lançamento do seu último álbum de estúdio, o intitulado Joane (2016), os fãs seguem sedentos para explorar uma nova era (assim como são definidos as fases de sua carreira). O fato é os fãs sempre esperam demais, não é mesmo? E assim também foi com injustiçado Artpop (2013). A pressão por parte da indústria e, principalmente, dos fãs coloca o artista em uma situação desafiadora: entregar um trabalho que agrade a massa, e que isso possa refletir positivamente nos charts, em vendas, etc. E, após esse hiato (considerando seus álbuns de estúdio), Gaga retorna em 2020 com o álbum Chromatica, lançado nesta sexta (29/05). Caso queira ir escutando e lendo nossa review, basta dar o play:



Diferente dos blogs especializados em música pop, proponho aqui uma análise a partir de um viés mercadológico que considere a narrativa presente tanto nos aspectos intrínsecos do trabalho quanto nos aspectos externos. Se você curte ler reviews faixa a faixa, é bem provável que em uma rápida busca na internet você encontrará algumas crítica já realizada. Mas, acredito que esse tipo de review não reflita a proposta do blog. Portanto, essa análise irá seguir alguns critérios os quais permitirão entender, de forma concisa, como a narrativa do álbum é construída, sendo: (1) conceito adotado pela artista; (2) aspectos relacionados ao processo criativo; (3) estratégias mercadológicas em torno do álbum; (4) impacto do álbum na cultura pop.

Começando pelo nome do próprio álbum, Chromatica. Em linhas gerais, Chromatica é uma palavra em inglês e se refere ao ramo da óptica que estuda as propriedades das cores. O que vemos no trabalho de Gaga é uma transposição desse conceito para a música, visto que o álbum é dividido em três fases ou atos: Chromatica I, Chromatica II  e Chromatica III. Essa divisão nos faz acreditar que o álbum possui um storytelling bem definido sendo possível perceber, a partir do clipe de Stupid Love, que se trata de um universo intergaláctico onde residem várias tribos, o que justifica o conceito de cromática. No entanto, Gaga não é a primeira a utilizar esse conceito. Ainda neste ano, por exemplo, Dua Lipa se apropiou um pouco desse conceito no videoclipe de "Physical". Mas, como de fato não importa o que veio primeiro, deixamos essa discussão de lado.

Do ponto de vista conceitual, tendo como referência o comeback da cantora através do clipe de Stupid Love, lead single do álbum, subentende-se que Lady Gaga busca elucidar uma visão digamos, talvez, um tanto quanto utópica. Isso porque o que se observa é que em meio ao caos que se instaura na sociedade, a música se caracteriza como um elemento universal e imutável, sendo ela responsável por se conectar aos homens e condicioná-los a paz mundial. É importante compreender que o primeiro single e, principalmente, esse primeiro clipe (após o hiato de um artista) desempenha uma função muito importante para determinar os rumos do artista no cenário músical. Afinal, o clipe desempenha uma função tão importante quanto à música. Só para refrescar a memória, quem se lembra do clipe de Make Me, da eterna princesinha do pop, Britney Spears, sabe o fiasco que sucedeu a divulgação do álbum em virtude de um videoclipe mal executado, totalmente sem contexto. Então, acho que isso elucida bem esse primeiro ponto de contato com o público. Confira o clipe de SL abaixo:



Mas, retomando a discussão, no que se refere ao conceito, e adentrando no processo criativo, a atmosfera Sci-fi com um pegada retro pseudo-futurístico, presente no clipe de SL, já nos dava indícios de que o álbum resgataria, de certa forma, fragmentos do passado. O clipe cujo foi todo filmado em um iPhone revela um detalhe interessante: as tecnologias podem avançar em uma perspectiva futurística, mas o sentimento de nostalgia sempre nos remeterá ao passado de algum modo. A produção ambientada em cenário simulado para se parecer com produções de baixo orçamento dos anos 80/90 revela toda essa esfera que circunda o álbum. Ah, inclusive temos um podcast falando só sobre essa vibe oitentista que está retornando ao cenário musical. Se quiser acompanhar, é só dar o play:



Prometi que não iria entrar me aprofundar em detalhes sobre as músicas em si, mas, rapidamente, à titulo de curiosidade, a transição de Chromatica II para a 911 elucida bem a função dos atos  no álbum exemplificando que se trata de uma história sendo contada em linearidade. Conceito esse que vem dos teatros greco-romanos cujas peças teatrais eram dividas em atos. Na faixa supracitada, os efeitos robóticos presentes na voz da cantora também nos remete a uma atmosfera psicodélica, meio out-of-control. E, acreditem se quiser, senti uma familiaridade gritante com Plastic Lover, música lançada em 2014 pela Gretchen em parceria com o 1E99. Paranoia? Ouçam a música e dissertem:


Já, no que se refere ao processo criativo, quase imbricado com o conceito, demonstra um amadurecimento de Gaga, enquanto artista, e com total controle sobre o seu projeto. No entanto, aos que acompanham música pop, não é novidade que esse retorno ao passado já está se caracterizando como um fenômeno frequente na indústria fonográfica. Artistas como The Weeknd, Hayley Williams, e até mesmo Dua Lipa, seguindo invicta com um dos álbuns mais aclamados do ano, tem explorado essa estética das mais variadas formas possíveis. E, podemos concordar que os que diferenciam é o processo criativo e o modo como seus trabalhos são materializados. Enquanto Dua Lipa apresenta traços mais marcantes dos anos 90/00, Hayley Williams experimenta o minimalismo em suas produções com referências do pós-punk e instrumentos mais analógicos. No entanto, quando falamos desse retorno ao passado, de modo geral, há dois pontos os quais devem ser contemplados : (1) os fãs demonstram interesse, suficiente, para sustentar essa nova prática adotada pelos artistas? (2) os artistas têm folego para continuar explorando esse universo na contemporaneidade? Há muitas outras questões, mas acho válido acompanharmos os desdobramentos desse novo panorama da música. O que você acha disso? Deixe o seu comentário e vamos falar um pouco mais sobre.


Outro critério importante o qual contempla a review são as colaborações, que fazem parte das estratégias publicitárias, visto que, sob uma ótica mercadológica, convidar artistas em alta não só reflete o processo criativo da artista, como, também, revela um latente interesse comercial. Mesmo que você não seja fã de k-pop, é bem provável que já tenha se deparado com algum vídeo do grupo sul coreano, Blackpink. Fenômeno mundial, o girl group acumula muitos recordes na era digital e, talvez, isso seja a carta de minerva de Gaga em seu retorno triunfal. Mas, de que modo essas colaborações implicam no trabalho da artista? 

Apenas para contextualizar, durante muitos anos, a Billboard, instituição que monitora o consumo musical nos Estados Unidos, tem adaptado seus instrumentos para mensurar com precisão o impacto dos artistas nas rádios, nas vendas e em shows. No entanto, de alguns anos pra cá, a parada começou a mensurar os streams, ou seja, tudo o que pode ser consumido on-demand em canais oficiais (YouTube, Spotify, etc). Ao apostar em colaborações como Ariana Grande e Blackpink, artistas que nasceram em uma ambiente digital e detêm uma base fiel de fãs, é praticamente dada como certa uma visão estratégica que prioriza os charts. Outro ponto importante dentro desses novos parâmetros de medição da Billboard, é que a maior parte do álbum é composta por músicas cujo o tempo é inferior aos três minutos. Isso porque músicas com menor duração são mais suscetíveis a terem mais reproduções. Só para se ter uma ideia, apenas o áudio da música "Sour Candy", parceria com Blackpink, acumulou mais de 21.8 milhões de execuções no YouTube. Isso sem mencionar nas demais plataformas.



Outro destaque é a parceria com Elton Jhon na faixa "Sine from Above", que até então parecia improvável, demonstra um lado desconhecido do próprio cantor.  O instrumental da música, especificamente no refrão, também evoca um sentimento de nostalgia relembrando músicas da eurotrance que fizeram sucesso nos anos 90/00. Aconselho a ouvir "Toca's Miracle" que julgo ter um pouco dessa atmosfera.

Quase no fim deste post, abordarei brevemente os impactos do álbum para a cultura pop. Primeiramente, percebo que esse retorno ao passado também produz um impacto na cultura ao permitir que a nova geração se aproxime mais do passado. A recorrência dos subgêneros musicais, como o eurotrance, o europop, o rock experimental, entre outros, revelam camadas que foram sendo apagadas em virtude de outros subgenêros que foram ganhando espaço no mainstream. No segundo momento, a interação do k-pop com o pop norte-americano também reitera um conceito bastante defendido pelo antropólogo Canclíni, ao elucidar que as culturas estão se tornando cada vez mais híbridas. E, tendo como referência o conceito o qual busca apresentar de que a música é o único elemento que pode se conectar com os homens, a parceria com Blackpink reitera essa visão utópica de Gaga. Se considerarmos o contexto digital, assim como Henry Jenkins conceitua essa cultura da convergência, podemos concordar que os fãs demonstram grande impacto no trabalho da artista. A  união dos fandoms (lê-se tribos), por exemplo, também corrobora  essa visão de Gaga, a partir de uma cultura participativa que é articulada pelos fãs.

Por fim, logo nas primeiras impressões realizadas por sites especializados em música, como a Slant Magazine, há um pensamento que justifica esse retorno ao passado como falta de criatividade artística, enquanto outros críticos apontam um conceito criativo interessante e pertinente. Enfim, trata-se de uma questionamento muito subjetivo e peculiar. Todavia, não podemos negar que Lady Gaga  nos entrega um álbum coeso com canções que exprimem sua identidade, tanto na parte lírica quanto no visual. Nesse sentido, Chromatica se configura como um trabalho altamente comercial, ainda que a pandemia não favoreça tantos suas estratégias mercadológicas. De fato, o álbum ressuscita instrumentos e outros subgêneros musicais, mas a discussão não deve se limitar somente a esse fenômeno. Chromatica deixa um legado ainda maior: a música pode, sim, ser reconfortante em tempos difíceis o qual estamos vivenciando.

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