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Manic Pixie Dream Girl: representação feminina ou idealização masculina?

O arquétipo da mulher perfeita é uma idealização febril da indústria cinematográfica
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Nós, mulheres, estamos desde sempre sendo expostas aos ideais machistas, porém, na fase da adolescência, tal exposição se agrava. Nos impõem como nos vestir, andar, falar e agir de maneira geral, transformando nossas vidas em algo fora do nosso controle. Seja bonita, inteligente, feminina e um pouquinho esquisita, apenas uma pequena porcentagem de cada uma dessas características te transformará na mulher ideal, ao menos é isso que os filmes de Hollywood nos dizem. 

Para além dos estereótipos de femme fatale e trophy wife, um termo cunhado em 2007 pelo crítico Nathan Rabin me chamou a atenção: manic pixie dream girl, ou MPDG, para facilitar. Após assistir ao filme Tudo Acontece em Elizabethtown (2005), Rabin escreveu uma crítica sobre como a personagem principal do filme é a personificação perfeita para o termo. Claire, interpretada por Kirsten Dunst, aparece como uma mulher que esbanja feminilidade, é carismática, aventureira e excêntrica, tendo todas as características que a tornam a MPDG perfeita. 

As manic pixie dream girl são personagens rasas, as quais não têm sua personalidade explorada através do olhar do personagem masculino, dando vida a ideia de ‘mulher ideal’. O conceito das manic pixie engloba a imagem de uma mulher adorável, doidinha na medida certa e o mais importante: nunca uma mulher negra (estas estão sempre caracterizadas como femme fatale ou qualquer outra concepção que utilize a hiperssexualização do corpo negro). Tais personagens se fazem presentes para “dar sentido a vida” dos homens depressivos (e às vezes sem graça), como o próprio autor do termo deixou claro em sua crítica: 

“(…) A Manic Pixie Dream Girl existe unicamente na imaginação febril de roteiristas-diretores sensíveis para ensinar jovens homens profundos, cismados e sentimentais a aproveitar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras.” 

Uma das problemáticas causadas pela existência desse arquétipo feminino é a influência lançada no público adolescente, principalmente nas meninas. Não bastasse a constante pressão para nos encaixarmos em milhões de padrões, Hollywood ainda insiste em mais um. Por experiência própria, posso dizer que as MPDG possuem grande controle na maneira como jovens garotas procuram se vestir ou se portar, buscando estarem dentro desse padrão de menininha fofa, inteligente e bela (não sexualizada, note) para sentirem-se atraentes.

Além da personagem de Kirsten Dunst, existem outras tão conhecidas quanto. A primeira é Summer, do famoso filme 500 Dias Com Ela (2009). O filme retrata todo o processo de relacionamento entre Summer (Zooey Deschanel) e Tom (Joseph Gordon-Levitt), e como mesmo depois de ser avisado sobre ela não ser o seu “par ideal”, Tom insiste em manter um relacionamento o qual é explicitamente algo que Summer não está disposta a retribuir, sendo essa uma das principais razões as quais me fazem crer que a mesma não é uma MPDG comum. 

De fato, a personagem é vista durante todo o filme como aquela que veio para resgatar Tom de sua vida monótona e deprimente, porém, ela deixa claro em suas ações (e palavras) que não quer ser colocada dentro de toda essa idealização criada por Tom, partindo para outro relacionamento no final do filme (o que fez muita gente julgar a personagem mesmo ela dizendo não estar interessada em relacionamento sério). Ainda assim, Summer deixa uma lição para que o personagem de Joseph Gordon-Levitt saia de seu estado depressivo, e logo após fazê-lo, ele começa a idealizar outra mulher, o que esclarece que o problema não estava em Summer ter atributos os quais se encaixem no perfil das MPDG, mas sim no fato de Tom não conseguir afastar-se das idealizações as quais cria para outras pessoas. 

Outro longa que pode ser citado nesse contexto é o drama Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), estrelado por Kate Winslet e Jim Carrey. No filme, Clementina (Kate) demonstra ter diversas características de uma manic pixie, porém, eu discordo do título atribuído à ela. A personagem é explorada para além da superfície, traços de sua personalidade são revelados ao decorrer do filme e há uma fala em especial a qual expõe exatamente o porquê Clem não pode ser rotulada como uma MPDG:

“Muitos caras acham que eu sou um conceito, ou que eu os completo, ou vou fazê-los se sentirem vivos… Mas eu sou só uma garota ferrada, procurando pela minha própria paz de espírito.” 

Ou seja, assim como Summer, Clementina está ciente de que é uma pessoa com suas próprias vontades e não quer estar presa num relacionamento que na verdade é baseado numa coisa a qual ela não é. Então, por mais que ela tenha traços de personalidade os quais estão presentes nas manic pixie, Clem ainda é uma personagem que demonstra não estar ali somente para avivar ou deixar uma lição de vida para Joel (Jim Carrey), mas tem uma importância equivalente ao papel do homem, e desvencilha-se do padrão das MPDG. 

O questionamento principal que gostaria de levantar com este texto é: por que, ainda, existe esta necessidade de criar tantos padrões inacessíveis e inaceitáveis para nós? Mulheres não foram feitas para suprir a necessidade ou servir de antidepressivos para os homens. Somos seres profundos que têm suas próprias convicções e atributos, os quais vão muito além de meras construções feitas por homens os quais buscam na figura feminina o auxílio que deveria vir deles próprios. É necessário que mais mulheres assumam lugares como roteiristas e diretoras de grandes sucessos, para que, assim, haja uma diminuição desses estereótipos causadores de grandes problemas, e possamos viver sem mais imposições absurdas apenas para preenchermos as fantasias dos homens desta sociedade tão patriarcal.

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