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A vibe oitentista ressignificando a música pop norte-americana

Como forte estratégia mercadológica, a nostalgia está em alta na música pop
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Longe de criar uma discussão sobre o surgimento dos artistas da/na cena pop e os processos de hibridizações respectivamente entre os gêneros e os subgêneros musicais, gostaria de apresentar um reflexão bem específica sobre o panorama da música pop nos dias atuais e, principalmente, como a vibe oitentista vem ressignificando esse cenário. 

Aos que consomem música pop já é de senso comum que ali em meados de 2010 esse cenário era majoritariamente dominado por mulheres. Artistas como Beyoncé, Britney Spears ainda dominavam as paradas musicais,  mesmo que tivessem surgidos em uma era não tão digitalizada. Nesse último decênio foi possível observar também o surgimento e a consolidação de algumas outras artistas, como Lady Gaga, Rihanna, as quais já abarcavam a geração mais conectada. Nesse nosso contexto imagético proporcionado pelas novas mídias, os videoclipes, as performances televisionadas, eram na grande maioria aclamadas pela crítica e pelos fãs. As performances no Grammy, por exemplo, eram praticamente equivalentes à final da copa do mundo. As rivalidades entre fandoms também tencionavam um mercado competitivo entre as artistas e, claro, as grandes gravadoras. Na consolidação desses artistas havia um embate acirrado no qual vários números eram considerados para o sucesso dos mesmos (vendas, turnê, produtos oficial, etc). Afinal, esse é o nosso cenário capitalista. Mas, como se determina o sucesso de um artista?

Nos Estados Unidos, a Billboard é atualmente a maior parada musical do país, e mensura semanalmente o impacto das canções nos principais meios de difusão, rádio, streaming. No entanto, o que se observou nos charts norte-americano entre 2014/2015 em diante foi um declínio da música pop dominado pelas mulheres. Foi um período de transição onde o mainstrem passa então a ganhar uma nova roupagem e novos genêros começam a ocupar posição de destaque. O hip-hop, gênero predominantemente forte nos Estados Unidos, começa a ganhar robustez nos charts. Não que isso seja ruim, claro que não. Todavia, analisando o contexto pop, não é necessário grande esforço para saber que as mulheres trilharam esse caminho e, consequentemente, lutaram para garantir o status do pop o qual conhecemos. Madonna, Dona Summer, Cindy Lauper, são algumas das artistas que refletiram e/ou refletem o cenário pop dos anos 70, 80 até os dias de hoje. Não estou discutindo aqui uma possível guerra dos gêneros dentro desse mercado altamente competitivo, mas acho interessante pontuar esse legado construído pelas mulheres na música pop.

Para compreendermos como esse cenário da música pop sofreu alterações, é necessário estarmos cientes do imaginário que há por trás dessa palavra. Etimologicamente, a palavra pop é a sintetização da palavra popular, ou seja, refere-se à música popular. Mas o fato é que a música pop, especialmente àquelas que circulam no mainstream norte-americano, por ter sido fortemente trilhado pelas mulheres, tencionou o surgimento de um imaginário acerca desse pop que mencionamos, aliás, que os jovens mencionam. Quem já escutou as expressões "divas pop" ou "álbum do pop" sabe exatamente sobre o que me refiro. Nesse meio tempo também foi possível observar o declínio de algumas artistas que tiveram grandes êxitos no início da década, Katy Perry é um desses exemplos. Nos períodos compreendidos entre 2015 e 2017, até mesmo 2018, esse cenário sofreu algumas alterações. Novos artistas foram surgindo, e vários gêneros musicas foram hibridizados com outros subgêneros. O reggaeton que é um subgênero da cultura pop latina, conquistou um espaço tão vital nos Estados Unidos quanto o próprio country, que até então era o estilo musical mais ouvido do país. Seguindo a tendência, artistas norte-americanos começaram a incorporar o spanglish (inglês com espanhol) em suas canções com influências latinas.

Em "Culturas Híbridas", García Canclini, antropólogo e pesquisador, reflete sobre esse entrelaçamento entre as culturas e suas particularidades. De modo geral, no fim das contas já não sabemos mais o que, como, de onde e porque houveram algumas mixeginações em determinados contextos culturais. Do ponto de vista até mesmo da antropologia, os pesquisadores se debruçam em torno dessas questões com o intuito de compreender nossas origens e em qual ponto da evolução nos tornamos uma única cultura (o que é bem difícil de entender, mas não cabe neste texto). O fato é que essas hibridizações acontecem e estão acontecendo neste exato momento, em todas as culturas, em todos os lugares. Portanto, considerando esses parâmetros na indústria musical norte-americana, um novo cenário começa a ser delineado corroborando o declínio da cena pop, a partir do imaginário o qual mencionei. Artistas consagradas já não conseguiam se sustentar nos charts em virtude do fortalecimento desses novos gêneros musicais os quais foram se incorporando à música norte-americana e ressignificando o consumo musical.

Entretanto, de forma sinuosa percebo que, entre meados de 2019 até os dias atuais, as cantoras estão, demasiadamente, resgatando esses espaços na mídia, nos charts, etc. E, daí, pelo viés mercadológico da coisa, questiono-me: qual a estratégia? Certamente são inquietações amplas e pertinentes as quais este texto não consegue sustentar (quem sabe um artigo?). No entanto tenho algumas considerações (ou hipótese) que se conectam diretamente com o título deste texto.

Quem acompanha música pop deve ter percebido que as referências oitentistas estão ganhando cada vez mais robustez. De alguns anos para cá, a estética syth-wave tem sido bem recorrente em algumas produções, visuais e musicais. Como consumidor, acredito que essa vibe oitentista tenha despertado o interesse de alguns (lê-se jovens) justamente por se tratar de um período desconhecido para a maioria, ou, por outro lado, por um imaginário que se tem sobre o que era os anos 80. De fato há um imaginário em torno desse período que remonta as nossas memórias e, sinto, que de certo modo nos esforçamos para compreender o que seria a música pop desses anos com o suporte das tecnologias atuais.  Analisando a camada mais fina dessa discussão, somente neste ano de 2020, artistas como Lady Gaga, Dua Lipa e a girlband britânica Little Mix, já nos entregaram trabalhos maravilhosos inspirados nessa vibe oitentista. Pontuarei  brevemente abaixo alguns desses trabalhos a fim de contextualizarmos melhor essa discussão.

No recente single da cantora Lady Gaga, intitulado "Stupid Love", as referências aos anos 80 não passaram despercebidas por ninguém. Isso porque tanto na música, quanto no clipe, é possível perceber toda essa atmosfera de anos 80, algo retro, que pode, de certo modo, destoar um pouco do que vem sendo feito no pop moderno. Mas, desconstruindo essa visão, é interessante pensar também no modo como o clipe foi arquitetado, considerando as tecnologias atuais. Durante o meu processo de coleta de dados para a construção deste texto, observei atentamente muitos críticos da linguagem estética e visual tecendo comentários positivos a esta nova fase da cantora. Lady Gaga é uma das cantoras que teve o seu surgimento em 2010 e segue até os dias atuais matendo o seu legado como umas cantoras pop mais influente da atualidade.


No clipe de "Stupid Love" nota-se o esforço da cantora em simular as condições estéticas e o contexto que uma produção antiga necessitaria para ser produzida. A saturação das cores, o fundo verde, são aspectos que visam estimular uma sensação de nostalgia àqueles que acompanharam as produções de sci-fi dos anos 80/90. A riqueza de elementos que circunscrevem uma super produção dá espaço à poucos elementos de cena, figurinos exuberantes, e dançarinos com coreografias que mimetizam os passinhos de dança da dance music. Entretanto, todos esses elementos estéticos não cumprem apenas a função de simular o passado através das telas, mas visam também mostrar que o moderno e o passado podem andar juntos. E pelo jeito parece ter agradado boa parte do público.


Ao analisar alguns tweets de fãs também foi possível perceber o descontentamento de alguns com a produção, visto que não refletia a magnitude dos videoclipes da música pop. Como mencionei, há um imaginário em torno da música pop, os fãs querem e sentem a necessidade de serem surpreendidos. Henry Jenkins aborda em "Os Invasores do Texto" a importância que os fãs desempenham na consolidação de determinado artistas. E tratando-se dessa relação entre fãs e a música pop, receber algo menos do que se espera é, no mínimo, frustante. Embora a cantora venha conquistando bons frutos no jazz e no cinema, Lady Gaga tem sofrido certa resistência por conta da crítica e do público desde o lançamento do seu último álbum, Joanne, que não foi tão pop assim (risos). Reforçando, portanto, o papel dos fãs e o imaginário que os mesmos constroem em torno dos seus artistas favoritos.

Na linha das cantoras pop emergentes, temos também a britânica Dua Lipa. Seu novo álbum, intitulado Future Nostalgia, estreou no Metacritic, plataforma que agrupa as críticas das mais renomadas revistas especializadas sobre música pop, com a nota 99. Sabemos que os aspectos qualitativos contam, mas na música os números contam mais. Se em 2010 as vendas contavam muito, as reproduções via streaming contam muito mais nos dias atuais.

Aclamado pela crítica, o álbum já é considerado um dos melhores (se não, o melhor) álbuns do ano. Tratando-se especificamente de artistas que estão começando agora, há uma pressão muito grande por parte das gravadoras. Se não vende, é descartável. Todos os dias surgem novos artistas e, falando como publicitário, se as estratégias são bem feitas tendem a colher bons frutos. Em 2019, Dua Lipa foi a ganhadora do Grammy de Melhor Artista Revelação. E o que isso significa? Seguindo a lógica da categoria, há uma expectativa por parte da crítica e do público em torno do seus próximos trabalhos. Parece ser uma tarefa simples, mas na prática não é tão fácil assim. O timing é outro, e a pressão também. Se você não escutou, vale a pena dar uma conferida em seus trabalhos recentes.



Finalizando o meu monólogo, caso não tenham percebido, peguei de forma intencional duas artistas de eras diferentes. Duas artistas utilizando o passado como estratégia, de forma singular. Enquanto Lady Gaga abarca o synth-pop com produções mais simplistas, Dua Lipa nos entrega um pop perfection super atual com referências à disco music e clipe super tecnológicos. E o que tiramos de lição com isso? É que o passado está de volta sendo ressignificado e atualizado. Grosso modo, parece que os fãs tem abarcado a ideia do pop retro. Afinal, se tem conceito, vende. Sob uma ótica comercial, Katherine Neimeyer cita em um dos seus artigos que o retro é comercial e, portanto, rentável. Os reboots e os revivals estão aí para nos mostrar que, cada vez mais, o passado está sendo recorrente nas produções atuais.

Prefiro não entrar em análises técnicas e pontuais sobre esses trabalhos. Porém, pensar na mercantilização da nostalgia envolve pensar em uma série de fatores, sobretudo, nos faz questionar o modo como relacionamos com esse produtos e com as nossas memórias. Em Memória Teleafetiva, escrito pelo professor Mário Bressan, o autor elucida a forma como esse resgate através das telas é responsável por despertar/criar essa nostalgia através de uma memória teleafetiva. Por fim, sabemos que a nostalgização, ainda que assuma diferentes posições em diferentes contextos, tem demonstrado ser, na prática, uma das estratégias mercadológicas que estão delineando este novo cenário pop. Seria a vibe oitentista a fórmula de sucesso no momento? Talvez seja muito cedo para tal afirmação, entretanto, continuemos acompanhando atentamente os desdobramentos desse novo cenário.

Qual a sua opinião sobre isso? Comenta aí abaixo e vamos dialogar um pouco mais sobre esse panorama da música pop atual.

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