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Parasita: o ficcional narrando a realidade

Vencedor do Oscar 2020 de Melhor Filme, Parasita usa o gênero ficcional para discutir privilégios na atualidade
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Aproveitando que a temporada de premiações já se foi, agora sim podemos falar sobre Parasita. Não há dúvidas: a produção se consolidou como o MELHOR filme de 2019, e reflexo disso foi a guinada histórica que aconteceu no Oscar 2020. Pela primeira vez na história da academia, um filme de língua não-inglesa venceu a categoria principal, a de Melhor Filme. É claro, esse ainda é um outro assunto que irá render outras discussões. Mas, o foco dessa conversa é outra: como essa crescente exposição do filme irá reverberar na sociedade? Fiquem tranquilos, esse texto não possui spoilers.

Por trás de toda essa narrativa, e da repercussão que o filme ganhou nos últimos meses, parece que chegamos a um ponto onde podemos concordar: Parasita rompeu os limites do entretenimento e da ficção nos entregando um suspense interessante, e que nos faz questionar sobre diversos aspectos presentes na contemporaneidade. Longe de ser uma resenha, não pretendo pontuar aqui todas as cenas e as falas mencionadas ao longo do filme. O fato é que esses levantamentos são abordados no filme, mesmo que de forma sútil. E por que isso merece ser levado em consideração? Por que Parasita merece esse destaque? 


Pois bem. Considerando que Parasita não fosse indicado ao Oscar, obviamente, teríamos uma disputa bem acirrada entre os demais filmes indicados. Todas as produções indicadas a categoria de melhor filme ganharam outros prêmios durante a premiação e, muito provável, teríamos mais um outro filme que nos entrega o previsível (ou esperado): um entretenimento de encher os olhos, com atuações maravilhosas e uma fotografia impecável. Na prática, isso é o que estamos acostumados a presenciar nessas premiações ao longo dos anos, ou ao menos espera-se que isso aconteça. Mas, é aí que enxergamos uma mudança de comportamento. Com Parasita na disputa, a vitória do mesmo na categoria principal era considerada por muitos sites especializados como uma utopia, justamente porque não se enquadrava dentro dessas definições supracitadas. Não porque o filme não seja bom, mas, dentre os seus concorrentes, é de se concordar que Parasita não se caracteriza como um filme tipicamente hollywoodiano.

Dentro dos estudos em comunicação é evidente que as produções ficcionais não possuem compromisso com a realidade. Mas, ainda sim, percebemos uma coerência com o mundo exterior. É aí que Parasita começa a ficar interessante. Diferentemente das produções factuais, como os documentários que se propõem em retratar a realidade, Parasita é uma obra ficcional. Toda a história é contada com vistas a cumprir uma função estética, que faz parte da indústria cinematográfica, assim como todos os outros filmes indicados. O que torna-o diferente é a sua capacidade de imersão e reflexão que, na prática, segue uma linha harmônica, mas que não se preocupa com aquele entretenimento rico em cenas e diálogos para construir uma narrativa de fácil consumo, o qual estamos habituados.


Nenhum outro filme indicado se propõe a dilacerar as estruturas da sociedade. Por muitos anos essa era uma categoria considerada como certa para filmes blockbusterianos. Mas 2020 começou diferente. Aqui vemos uma produção envolvente que consegue dialogar com o público através de suas metáforas e do seu humor característico. Ao longo das duas horas de filme, nota-se uma preocupação em evidenciar ao espectador o contraste social intrínseco presente entre as famílias. O enredo é norteado por uma lógica simples, mas que reflete as rupturas presentes em nosso tecido social, onde a pobreza e a riqueza entram em cena, questionando os privilégios e para quem eles são. O filme faz, claramente, uma crítica ao modelo de vida da Coreia do Sul, se referindo ao capitalismo tardio no país, e como a desigualdade é preocupante. Isso é o que Parasita nos entrega! A preocupação não está somente no entretenimento e, sim, além dele. É pensar no modo como absorvermos essas informações e como iremos discuti-las em sociedade. 


Com 8 filmes no currículo, parece que Bong-jhon-hoon, diretor do filme, tem conquistado o seu espaço no cenário mundial como um bom contador de histórias (ao menos é o que parece). Mas, e agora? Como as produções holywoodianas irão se comportar daqui em diante? O que podemos esperar do próximo Oscar? Acredito que Parasita irá se caracterizar (ou já se caracteriza) como um divisor de águas na indústria cinematográfica, e é mais do que necessário considerar essa mudança estética nas produções audiovisuais. Parasita não emerge nesse contexto apenas como um filme tabelado alinhavando-se à indústria Hollywoodiana. São em tempos difíceis que a arte do storytelling se faz necessária como estratégia de resistência em um cenário cada vez mais polarizado e incerto. Se você AINDA não assistiu o filme, fica o recado. Caso já tenha assistido, é hora de começarmos a discutir e pensar no que podemos aprender com essa belíssima produção sul-coreana. 

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